Neste cenário onde a renda das pessoas está sendo afetada pela impossibilidade do trabalho, muitos têm se perguntado se vão conseguir pagar suas dívidas. Surge, então, a dúvida em relação ao que irá acontecer aos devedores de pensão alimentícia, situação específica em que o devedor corre o risco de ir à prisão caso venha a faltar com o pagamento. Certamente os efeitos decorrentes da pandemia de Covid-19 serão sentidos por toda sociedade por certo tempo, mesmo após a devida contenção da expansão da doença no cenário global. Uma vez que toda cadeia da economia está sendo afetada, do menor ao mais alto grau, é inegável dizer que inúmeras relações de direito enfrentarão situações excepcionais, as quais demandarão um exercício de razoabilidade e flexibilidade de todas partes, em especial dos operadores do Direito.
Assim, sabendo que as atividades econômicas navegam em ritmo lento, ou estão literalmente paradas, muitos se perguntam se vão conseguir honrar seus compromissos, como, por exemplo, a obrigação de pagar a pensão alimentícia. É sabido que o não pagamento da obrigação alimentar pode levar o devedor à prisão (art. 528, § 3º, CPC), mas, agora, neste contexto de paralisação da economia numa conjuntura global, no qual os trabalhadores observam sua capacidade de produção de renda ser verticalmente afetada, a eventual impossibilidade de pagamento de pensão alimentícia pode levar o indivíduo à cadeia?
A lei prevê que o devedor de pensão pode, ao receber a execução de alimentos, apresentar justificativa ao juiz comprovando a existência de fato que gere a impossibilidade absoluta de efetuar o pagamento (art. 528, § 2º, CPC). Ainda que não se tenha jurisprudência consolidada especificamente em relação ao tema Covid-19, o TJ-RS já possui entendimento consolidado no sentido que o acolhimento da justificativa em demanda executiva de alimentos pressupõe a ocorrência de situação excepcional, verdadeira força maior que, modo inesperado, venha a retirar a possibilidade de pagamento ao devedor (Agravo de Instrumento, n. 70063421838 – TJRS, 2015).
Em sendo assim, certamente o Poder Judiciário – respeitada a análise de caso a caso – deverá se posicionar pelo acolhimento da defesa afastando a hipótese de prisão do devedor, de modo a enquadrar os efeitos decorrentes da pandemia como sendo situação excepcional, por motivo de força maior, capaz de justificar eventual inadimplemento.
Evidentemente não significa dizer que tal obrigação deixou de ser exigível e todos estão desobrigados ao pagamento de pensão alimentícia unicamente em razão de existir a pandemia viral no mundo. A tendência, em verdade, é o afastamento da penalidade de prisão ao devedor que comprovadamente justificar a impossibilidade absoluta de honrar o pagamento da obrigação, devendo, para tanto, demonstrar em juízo que tal impedimento decorreu por força dos efeitos da pandemia. A previsão legal de prisão ao devedor de pensão alimentícia tem por objetivo forçar o sujeito a pagar a dívida para não ser preso. Todavia, em se tratando de caso em que verdadeiramente há a impossibilidade absoluta de honrar o compromisso, certamente a sua prisão não irá resultar no pagamento forçado do débito, mas sim, no aumento da dificuldade para que o devedor consiga pagá-lo um dia. Neste contexto, vale lembrar que mesmo que se afaste a penalidade de prisão, a dívida persistirá, e ao credor permanecerá o direito de cobrá-la, podendo executar o devedor adotando-se outras medidas tais quais o protesto de título e penhora de bens.
Sem dúvidas trata-se de situação extraordinária que exigirá de cada julgador a sensibilidade para decidir com base no bom senso em tempos onde praticamente todos são vítimas. A recomendação é haver o diálogo entre as partes, considerando as dificuldades vividas por todos, para se chegar a um acordo, evitando-se, assim judicialização do problema. Entretanto, na ausência de consenso e possibilidade de acordo, o Poder Judiciário deve ser acionado para resolver o conflito.
